Arbitragem regulatória, pagamentos transfronteiriços e fortuna bilionária: o homem “anti-bancos” por trás da Ripple
Fonte: The Token Dispatch
Autor: Thejaswini M A
Compilação e organização: BitpushNews
O cheque foi devolvido.
Aos 15 anos, Chris Larsen experimentou pela primeira vez que receber o pagamento pode ser mais difícil do que concluir o trabalho.
Ele administrava um negócio de conserto de amassados de carros na garagem de sua casa em San Francisco. Os vizinhos traziam seus carros danificados, e ele, com ferramentas emprestadas e muito entusiasmo, fazia os reparos.
O trabalho era honesto, o preço justo. Mas quando os clientes não pagavam, o jovem Larsen teve sua primeira lição dura sobre como o sistema financeiro funciona.
Seu pai consertava motores de avião no Aeroporto Internacional de San Francisco (SFO), recebendo salário fixo a cada duas semanas. Sua mãe fazia ilustrações para clientes, mas às vezes demorava meses para receber, ou nem recebia. Ambos entendiam que o dinheiro flui facilmente para quem já o possui, mas é escasso para todos os outros.
O sistema foi projetado assim.
Essa frustração fermentou por décadas, levando-o a fundar três empresas avaliadas em bilhões de dólares. Cada uma delas atacava uma vulnerabilidade diferente do sistema financeiro, que trata pessoas comuns como “problema” e não como “clientes”.
O filho do mecânico que enxergou o sistema
1960, San Francisco.
Chris Larsen nasceu em uma família que valorizava a estabilidade no trabalho. Crescer em uma família da classe trabalhadora significava vivenciar o sistema financeiro do ponto de vista do cliente, não do banco. Quando seus pais precisavam de um empréstimo para carro ou hipoteca, lidavam com gerentes bancários que tomavam decisões a portas fechadas. O processo era opaco, lento e frequentemente injusto.
Por que algumas pessoas conseguiam empréstimos facilmente e outras não? Por que os bancos cobravam taxas diferentes para os mesmos serviços? Por que tudo demorava tanto, se as decisões podiam ser tomadas em minutos?
Essas eram frustrações pessoais enfrentadas por milhões de famílias, mas poucas pessoas em posição de promover mudanças já haviam passado por isso.
Após o ensino médio, Larsen ingressou na San Jose State University para estudar aeronáutica, seguindo um caminho prático rumo a um emprego estável em engenharia. Mas o curso parecia limitado demais. Ele transferiu-se para a San Francisco State University, mudando para negócios internacionais e contabilidade.
Após se formar em 1984, Larsen entrou para a Chevron como auditor financeiro. O trabalho o levou ao Brasil, Equador e Indonésia. Essa experiência em operações globais lhe deu conhecimento de primeira mão sobre como o sistema financeiro internacional funciona.
Mas ele precisava entender melhor o sistema antes de poder mudá-lo.
Em 1991, Larsen obteve um MBA na Stanford Graduate School of Business. Seu professor, Jim Collins, ensinou-lhe como construir empresas que durassem mais do que seus fundadores. Essas lições o marcaram profundamente. Larsen não se interessava por sucesso rápido ou modelos de negócios da moda. Ele queria construir infraestrutura que continuasse relevante décadas depois.
O encontro da internet com as finanças
1996, o boom da internet estava apenas começando.
Enquanto a maioria dos empreendedores criava sites para vender produtos para animais ou entregar mantimentos, Larsen viu uma oportunidade diferente. E se a internet fosse aplicada ao setor mais tradicional de todos — hipotecas?
Ele cofundou a E-Loan com Janina Pawlowski.
Qual era o conceito? Colocar o processo de solicitação de hipotecas online, permitindo que os mutuários comprassem empréstimos sem intermediários e evitassem taxas desnecessárias.
A maioria das instituições financeiras ainda operava como se fosse 1976, não 1996. Exigiam que os clientes fossem até uma agência, preenchessem formulários em papel e esperassem semanas por uma decisão, quando, com o software certo, tudo poderia ser resolvido em minutos.
O site da E-Loan foi lançado em 1997, permitindo que os clientes comparassem taxas, enviassem solicitações online e acompanhassem o progresso. A empresa eliminou as comissões de corretores e reduziu o tempo de processamento de semanas para dias.
Mas Larsen tomou uma decisão marcante. A E-Loan foi a primeira empresa a oferecer gratuitamente aos consumidores o acesso ao seu score de crédito FICO.
Isso foi revolucionário. Bancos e empresas de cartão de crédito usavam esses scores há décadas para tomar decisões de empréstimo, mas os consumidores não podiam ver seus próprios números. O sistema de pontuação de crédito era uma caixa-preta que decidia se você poderia comprar uma casa ou carro, mas você não sabia o que havia dentro. Essa iniciativa pressionou todo o setor de crédito por mais transparência. Se os mutuários pudessem ver seus scores, entenderiam por que recebiam certas taxas e poderiam agir para melhorar seu crédito.
A E-Loan abriu capital em 1999, no auge da bolha da internet. No pico, a empresa foi avaliada em cerca de 1 bilhão de dólares. Mas Larsen não estava interessado em perseguir bolhas. Em 2005, vendeu a E-Loan ao Banco Popular por 300 milhões de dólares.
O sucesso da E-Loan veio da automação de processos que os bancos faziam manualmente. Mas seria possível repensar completamente a forma como eles funcionam?
Eliminando o banco
Em 2005, Larsen já pensava em seu próximo alvo: o próprio banco.
E se pessoas comuns pudessem emprestar dinheiro diretamente umas às outras, eliminando totalmente o banco?
Ele cofundou a Prosper Marketplace com John Witchel, o primeiro marketplace de empréstimos peer-to-peer dos EUA.
Qual era o conceito? Mutuários podiam publicar pedidos de empréstimo, explicando para que precisavam do dinheiro e qual taxa estavam dispostos a pagar. Investidores individuais podiam navegar por esses pedidos e escolher quais empréstimos financiar. O mercado definiria as taxas com base na oferta e demanda reais, não em fórmulas opacas dos bancos.
A plataforma democratizou ambos os lados do empréstimo. Pessoas com bom crédito podiam obter retornos melhores que em contas de poupança. Pessoas com crédito imperfeito podiam acessar empréstimos que bancos tradicionais não ofereciam.
Mas a Prosper enfrentou um problema que a E-Loan não teve: incerteza regulatória. As leis de valores mobiliários foram escritas décadas antes, quando ninguém imaginava que pessoas comuns emprestariam dinheiro para estranhos pela internet. Em 2008, a Securities and Exchange Commission dos EUA (SEC) determinou que empréstimos peer-to-peer eram, na verdade, valores mobiliários sujeitos a registro e divulgação. Muitas empresas teriam lutado contra os reguladores ou tentado encontrar brechas. Larsen escolheu outro caminho.
Ele não lutou contra as autoridades, mas colaborou com elas. A Prosper apresentou um prospecto à SEC e mudou seu modelo de negócios para se adequar à lei de valores mobiliários. A empresa superou os desafios regulatórios e continuou crescendo.
Porque não basta construir tecnologia melhor. É preciso ajudar os reguladores a entender por que novas regras podem ser necessárias.
Em 2012, Larsen deixou o cargo de CEO da Prosper, mas permaneceu como presidente do conselho. Já pensava em seu próximo projeto. O peer-to-peer mostrou que a tecnologia podia eliminar intermediários das finanças tradicionais. Mas a verdadeira ambição não era empréstimo doméstico.
Era pagamentos internacionais.
Construindo a internet do valor
A ideia que mais tarde se tornaria a Ripple começou com uma observação simples: transferências internacionais ainda eram mais difíceis do que enviar um e-mail.
Transferências bancárias internacionais demoravam dias, eram caras e frequentemente falhavam por motivos misteriosos. Em uma era em que informações circulam o mundo em milissegundos, o dinheiro ainda parecia preso nos anos 1970.
Em setembro de 2012, Larsen cofundou a OpenCoin com o programador Jed McCaleb. O objetivo era criar um protocolo de pagamentos capaz de liquidar transações entre quaisquer moedas em segundos, não dias. A empresa passou por algumas mudanças de nome: OpenCoin tornou-se Ripple Labs em 2013 e, em 2015, apenas Ripple. Mas a missão permaneceu: criar o que Larsen chamou de “internet do valor”.
A abordagem da Ripple era diferente do bitcoin, que foi criado como alternativa às moedas tradicionais. Em vez disso, a tecnologia da Ripple permitia que moedas tradicionais circulassem de forma mais eficiente. Bancos podiam usar a rede da Ripple para liquidar pagamentos internacionais sem precisar manter contas em cada país onde operavam. O sistema usava XRP (a moeda digital nativa da Ripple) como ativo de ponte.
Os bancos não precisavam mais converter dólares em euros por meio de vários intermediários: podiam converter dólares em XRP, transferir o XRP para outro banco e, então, esse banco convertia o XRP em euros. Todo o processo podia ser feito em segundos.
Durante o mandato de Larsen como CEO, a Ripple firmou parcerias com grandes instituições financeiras, incluindo Santander, American Express e Standard Chartered. Você pode chamar esses projetos de pilotos ou experimentos. Mas os bancos estavam usando a tecnologia da Ripple para processar pagamentos reais de clientes, no valor de milhões de dólares.
Com o boom do mercado de criptomoedas em 2017 e 2018, o XRP tornou-se um dos ativos digitais mais valiosos do mundo. No auge, o patrimônio de Larsen em XRP valia mais de 59 bilhões de dólares, tornando-o, por um tempo, um dos americanos mais ricos.
Mas Larsen aprendeu com suas empresas anteriores que expandir exige habilidades diferentes de fundar. Em 2016, deixou o cargo de CEO para se tornar presidente executivo, contratando Brad Garlinghouse para cuidar das operações diárias, enquanto ele se concentrava em estratégia e relações regulatórias.
O sucesso logo traria escrutínio.
O teste regulatório
Em dezembro de 2020, chegou a ligação que todo executivo de cripto teme.
A Securities and Exchange Commission dos EUA (SEC) estava processando a Ripple, alegando que o XRP era um valor mobiliário não registrado e que a empresa havia levantado 1,3 bilhão de dólares por meio de uma oferta ilegal de valores mobiliários.
O processo gerou quase cinco anos de incerteza. Com as exchanges retirando o token para evitar riscos regulatórios, o preço do XRP caiu. A Ripple enfrentava multas bilionárias e a possibilidade de ter que mudar radicalmente seu modelo de negócios.
Larsen poderia ter feito um acordo rápido e seguido para outros projetos. Muitos empreendedores de cripto fariam isso. Em vez disso, ele escolheu lutar.
A Ripple gastou dezenas de milhões de dólares em honorários advocatícios. Os advogados da empresa argumentaram que bitcoin e ethereum já haviam sido declarados não valores mobiliários pelos reguladores, e que o funcionamento do XRP era semelhante.
A estratégia se mostrou correta, mas levou anos para ser validada.
Em 2023, a juíza Analisa Torres decidiu que as vendas programáticas de XRP para investidores de varejo não constituíam uma oferta de valores mobiliários. A decisão foi uma vitória parcial e ajudou a esclarecer o status regulatório dos ativos digitais.
Em 2025, a SEC desistiu do recurso e resolveu o caso por 125 milhões de dólares — uma multa enorme, mas apenas uma fração do que muitos esperavam. A vitória legal validou a abordagem de longo prazo de Larsen para construir empresas de cripto.
Diferente de muitas empresas do setor, a Ripple não operou em zonas cinzentas regulatórias, mas colaborou com as autoridades desde o início. Quando a repressão veio, a empresa estava preparada.
Durante toda a batalha judicial, a Ripple continuou expandindo seus negócios. Em abril de 2025, a empresa adquiriu a principal corretora Hidden Road por 1,25 bilhão de dólares, ampliando serviços de negociação e custódia. A Ripple também busca uma licença bancária nacional e colabora com o BNY Mellon para custodiar as reservas de sua stablecoin RLUSD.
Impacto sutil, mas profundo
Hoje, a influência de Larsen vai muito além das empresas que fundou.
Em 2019, ele e sua esposa Lyna Lam doaram 25 milhões de dólares em XRP para a San Francisco State University — o maior presente em criptomoedas já recebido por uma universidade americana na época. A doação criou uma cátedra de fintech e inovação e financiou projetos globais para estudantes. A universidade tem processos rigorosos para aceitar e gerenciar doações. Ao atuar nesses ambientes, Larsen ajudou a normatizar a filantropia em cripto.
Ele também financiou campanhas de defesa da privacidade por meio da “Californians for Privacy Now”, uma coalizão que ajudou a aprovar a lei de privacidade financeira da Califórnia, exigindo que empresas obtenham consentimento dos consumidores antes de compartilhar dados pessoais. A campanha coletou 600 mil assinaturas e fez lobby para que grandes empresas financeiras retirassem sua oposição.
Recentemente, Larsen tornou-se um crítico vocal do impacto ambiental das criptomoedas. Em 2021, lançou a campanha “Change the Code, Not the Climate”, financiando esforços para convencer mineradores de bitcoin a migrar do modelo de proof-of-work, intensivo em energia, para alternativas mais eficientes.
Essa posição o colocou em desacordo com maximalistas do bitcoin, que consideram o proof-of-work essencial para a segurança da rede. Mas Larsen acredita que, para as criptomoedas se tornarem mainstream, é preciso resolver a questão climática.
“Esse movimento não é anti-bitcoin — é anti-poluição”, explica Larsen. “Precisamos limpar nosso setor. O problema não é, como alguns sugerem, abastecer o bitcoin com energia limpa. Precisamos de energia limpa limitada para outros usos importantes. A questão é mudar o código para consumir menos energia. Esse é o caminho responsável para o meio ambiente.”
Sua disposição para desafiar ortodoxias cripto reflete o mesmo pensamento de sua carreira: ser popular nem sempre é o melhor.
Aos 64 anos, Larsen ainda trabalha seis dias por semana, enquanto cultiva hobbies que refletem sua abordagem metódica para problemas complexos. Ele e seus filhos restauram carros clássicos dos anos 1960, desmontando-os e reconstruindo a partir do chassi. Esses projetos levam três anos para serem concluídos e exigem a mesma atenção aos detalhes de sua carreira empresarial.
Ele imagina um mundo onde enviar 100 dólares de San Francisco para Lagos leva apenas alguns segundos e custa apenas alguns centavos, e pequenas empresas podem acessar mercados internacionais sem lidar com relações bancárias complexas.
Suas três empresas atacaram pontos críticos do sistema financeiro que não atendia bem às pessoas comuns.
A E-Loan tornou transparente a busca por hipotecas. A Prosper democratizou os empréstimos. A Ripple acelerou os pagamentos internacionais.
Cada negócio teve sucesso construindo infraestrutura que outros podiam usar, em vez de tentar controlar todo o mercado. Essa abordagem exige paciência e visão de longo prazo — qualidades raras em um setor conhecido por hype e lucros rápidos.
Em uma era em que cripto frequentemente é associada à especulação e volatilidade, Larsen provou que construir infraestrutura com paciência pode gerar mudanças duradouras. Seu trabalho ainda não terminou, mas lançou as bases para um sistema financeiro que serve aos usuários, não às instituições.
O dinheiro está se tornando cada vez mais parecido com informação: mais rápido, mais barato e mais acessível para quem antes era excluído dos serviços financeiros.
Essa transformação ainda está em andamento, mas o rumo é claro. E Chris Larsen está construindo os trilhos para que ela avance.
Essa é a história de Chris Larsen.
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